Pesquisa pode contribuir com desenvolvimento de plantas resistentes à seca e também com novos tratamentos para doenças humanas.
Um artigo publicado no dia 2 de fevereiro na revista Current Biology demonstrou que uma proteína presente nas membranas internas das mitocôndrias é o gatilho que dispara um sinal ao núcleo da célula, quando a planta é submetida a estresse. O estresse muitas vezes gera uma situação de baixa concentração de oxigênio nas células (hipóxia). A proteína desacopladora mitocondrial 1(UCP1) tem um papel mais importante do que se pensava no metabolismo vegetal. Já se conhecia sua função na resposta das plantas a situações de seca, frio e escassez de nutrientes, mas a descoberta abre possibilidades de desenvolvimento de plantas mais resistentes a condições ambientais extremas, como aquelas decorrentes das mudanças climáticas. A pesquisa foi realizada por cientistas do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC), iniciativa conjunta da Embrapa e do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, apoiada pela Fapesp, em parceria com cientistas da Universidade de Nottingham, no Reino Unido.
As proteínas desacopladoras localizam-se na membrana interna da mitocôndria, em células animais e vegetais, e têm função associada à respiração celular e à produção de energia. Entretanto, quando o organismo é submetido a situações de estresse – carência de nutrientes, doenças, alterações extremas de temperaturas, escassez de água -, a concentração de oxigênio diminui, acionando-se um mecanismo de resposta a essas condições adversas. A ativação da resposta à hipóxia provoca uma cascata de reações químicas celulares que visam contornar essas adversidades. A descoberta dos sensores de oxigênio nas células humanas, que ativam a resposta a hipóxia, renderam o prêmio Nobel para William Kaelin Jr, Peter Ratcliffe e Gregg Semenza em 2019. As pesquisas sobre a resposta à hipóxia em células humanas têm orientado estudos voltados para o desenvolvimento de tratamentos para diversas doenças, entre elas o câncer.
Os mecanismos que controlam a sinalização de oxigênio em humanos e plantas têm similaridades importantes, mas não são controlados pelas mesmas proteínas. Pedro Barreto, autor do estudo desenvolvido em seupós-doutorado (financiado pela FAPESP), afirma que, apesar de serem mecanismos distintos, a UCP1 é capaz de alterar a maneira como as células percebem o oxigênio em ambos os organismos, o que levanta hipóteses sobre uma função conservada da UCP1 na sinalização mitocondrial em resposta ao oxigênio intracelular.
Outro fato já conhecido em relação à UCP1 de células animais é a abundância dessa proteína em mitocôndrias do tecido adiposo marrom de mamíferos hibernantes, como os ursos polares. Nesse caso, a proteína age na regulação da temperatura, auxiliando a produção de energia na forma de calor e mantendo-os aquecidos durante o inverno.
Os pesquisadores do GCCRC e da Universidade de Nottingham conseguiram demonstrar que a UCP1 funciona como gatilho na ativação da resposta à hipóxia. Isso explica porque plantas que expressam essa proteína em níveis elevados são mais tolerantes a uma ampla gama de estresses bióticos e abióticos.
Buscando entender o papel da UCP1 em plantas, os pesquisadores do GCCRC notaram que plantas de tabaco, quando produzem altos níveis da UCP1, apresentavam alta expressão de genes responsivos a estresses, incluindo fatores de transcrição envolvidos na resposta à hipóxia. Essas plantas se tornaram tolerantes a estresses ambientais, tiveram aumento na taxa de fotossíntese e incremento no tamanho dos frutos. “Esse é um mecanismo geral de resposta a estresse que é induzido pela UCP1”, explica Paulo Arruda, professor da Unicamp e autor correspondente do estudo.
Nesse novo trabalho, os pesquisadores demonstraram que a UCP1 funciona como um interruptor da cadeia de respostas metabólicas relacionadas à resposta à hipóxia. A proteína age em um grupo específico de fatores de transcrição que têm o aminoácido cisteína em uma das extremidades. “A UCP funciona como um sensor mitocondrial. Se há pouco oxigênio, a UCP1 previne a oxidação da cisteína dos fatores de transcrição que controlam a resposta à hipóxia, ativando-os. Esses fatores de transcrição induzem, então, a expressão de uma ampla gama de genes codificados pelo núcleo que contribuem com a sobrevivência celular. Na presença de níveis mais elevados de oxigênio, as cisteínas terminais desses fatores de transcrição são oxidadas e esses são desativados”, explica Arruda.
Além de aprimorar o conhecimento sobre as funções da UCP1, a descoberta abre caminhos para o desenvolvimento de culturas agrícolas tolerantes aos estresses impostos pelas mudanças climáticas. Mas também indica que as funções da UCP1 em outros eucariotos, como seres humanos, são mais amplas do que se pensava. “É um mecanismo geral, e quando mecanismos celulares básicos estão presentes em praticamente todos os eucariotos, quer dizer que se trata de um mecanismo importante para a sobrevivência”, explica Arruda.
A presença da proteína desacopladora mitocondrial foi descoberta pelo cientista brasileiro Aníbal Vercesi e colaboradores em 2001. Vercesi, a quem Arruda dedica o trabalho, formulara a hipótese de que a presença da UCP1 em plantas poderia indicar a relação da proteína com a regulação térmica vegetal (como nos mamíferos hibernantes), possibilitando o desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas resistentes ao frio. A hipótese ainda não foi confirmada, mas sugeriu caminhos para a investigação da proteína, que, sabe-se hoje, está presente em muitos organismos diferentes, com apenas parte de suas funções conhecidas.
A partir de agora, o desafio é entender se essa ampla resposta à hipóxia relacionada à UCP1 em plantas também está presente em animais, e de que forma ela poderia estar envolvida, por exemplo, com o desenvolvimento de câncer.
Artigo:
Pedro Barreto, Charlene Dambire, Gunjan Sharma, Jorge Vicente, Rory Osborne, Juliana Erika de Carvalho Teixeira Yassitepe, Daniel J. Gibbs, Ivan G. Maia, Michael J. Holdsworth and Paulo Arruda. Mitochondrial retrograde signaling through UCP1-mediated inhibition of the plant oxygen-sensing pathway. Current Biology 32, 1–9, 2022. https://doi.org/10.1016/j.cub.2022.01.037
Sobre o GCCRC
O Centro de Pesquisa em Genômica para Mudanças Climáticas (GCCRC) está localizado no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), na Unicamp. O centro é uma parceria entre a Embrapa e a Unicamp e é financiado pela FAPESP por meio do programa Centros de Pesquisa em Engenharia. O GCCRC visa desenvolver tecnologias para aumentar a tolerância das plantas aos estresses impostos pelas mudanças climáticas globais. Saiba mais